A Europa e a União Europeia

Realidades, experiências de luta <br>e novas oportunidades de transformação

No Encontro Internacional realizado em Lisboa a 3 e 4 de Março de 2006, o PCP apresentou uma comunicação, lida por Albano Nunes, que a seguir se transcreve na íntegra.
(notícia do Encontro na edição n.º 1684)

Em cada um dos nossos países, na Europa e no mundo, tiveram lugar nos últimos tempos acontecimentos e processos onde há certamente muita novidade e cuja compreensão, além da normal circulação de informação, exige um frequente intercâmbio de opiniões. Esse é um primeiro objectivo que propomos para este nosso Encontro, objectivo que parece modesto mas ao qual o PCP continua a atribuir uma grande importância. Um segundo objectivo, mais exigente, é o de reunir ideias e sugestões quanto a possíveis linhas de intervenção e iniciativas comuns. Quando o grande capital e as grandes potências (embora num quadro de rivalidades e contradições que tendem aliás a agudizar-se) articulam cada vez mais estreitamente a sua ofensiva de exploração, opressão e guerra – na opinião do PCP um traço particularmente marcante e perigoso da actual situação internacional – tudo o que possamos avançar nesta direcção será de grande valor.

Em Portugal - tendo como pano de fundo, por um lado, uma continuada e violenta ofensiva do grande capital e dos governos ao seu serviço (tanto do PS como dos partidos da direita, PSD e CDS/PP) e por outro lado, a persistente resistência e luta dos trabalhadores e de outras camadas anti-monopolistas – temos travado importantes batalhas políticas.
Desde o XVII Congresso do PCP realizado em Novembro de 2004, e em menos de um ano, realizaram-se sucessivamente eleições para a Assembleia da República (Fevereiro de 2005), para as Autarquias Locais (Outubro de 2005) e para Presidente da República. Em todas elas o PCP alcançou bons resultados. Nas duas primeiras, em conjunto com os seus aliados na Coligação Democrática Unitária (Verdes e independentes), aumentou as suas votações, os seus deputados e o número de presidências de municípios (tendo reconquistado importantes cidades). Nas eleições para Presidente da República conseguiu 8,6% da votação no seu candidato, o camarada Jerónimo de Sousa, Secretário Geral do PCP. Naturalmente que resultados eleitorais não são o único nem o principal critério de avaliação. Mas na situação concreta existente, tais resultados, alcançados apesar de uma colossal desproporção de meios e de fortíssimas campanhas de descriminação e de condicionamento mediático, encerram um profundo significado político: o PCP não só não está condenado ao «declínio irreversível» que os seus adversários sistematicamente lhe vaticinam, como desfruta de forte apoio popular e tem diante de si grandes perspectivas de crescimento. Nesse sentido realizamos uma reunião do Comité Central sobre as questões de organização, decidimos consagrar este ano do 85.º aniversário ao reforço do Partido e estamos empenhados num grande esforço para alargar as nossas fileiras, para fortalecer as organizações de base duramente atingidas pelas profundas mudanças do tecido sócio-económico, para enraizar mais o Partido nas empresas e locais de trabalho.

Entretanto o país vive mergulhado numa crise profunda que não cessa de se deteriorar, crise que é consequência de quase trinta anos de políticas de direita conduzidas pelo PS e pelo PSD, e cuja superação exige, não uma simples correção de rumo, mas a ruptura com tais políticas.

A exigência de mudança que a clamorosa derrota da coligação da direita nas eleições legislativas traduziu, não se verificou. Tendo alcançado a maioria absoluta o PS de José Sócrates, uma vez no Governo, não só prosseguiu, como em muitos aspectos agravou, a política dos governos da direita, provocando o rápido alastramento do descontentamento e abrindo caminho à vitória Cavaco Silva nas eleições presidenciais de 22 de Janeiro, ou seja à conquista pela direita, pela primeira vez depois da revolução de Abril, do órgão Presidente da República.
Trata-se de uma evolução muito grave que tende a acelerar a centralização e concentração do capital e a agravar brutalmente as injustiças e desigualdades sociais, com o aumento do desemprego (o mais elevado desde o 25 de Abril), a generalização do trabalho precário, o desmantelamento dos serviços públicos, o ataque a direitos fundamentais. Uma evolução que entrega ao desbarato ao sector privado tudo quanto possa dar lucro, incluindo Energia, Comunicações, Transportes, Saúde. Uma evolução que põe em perigo o próprio regime consagrado na Constituição da República, apontando para uma reconfiguração antidemocrática do Estado e sua transformação em instrumento directo dos interesses dos grandes grupos económicos, um «Estado mínimo» com funções sociais de dimensão residual e a componente coerciva (Forças Armadas, Segurança, Justiça) reforçada de modo articulado com o imperialismo, com uma Política Externa de submissão nacional.
Tudo isto coloca uma questão de fundo em relação ao papel e natureza do PS que não pode ser iludida. Sem a sua contribuição activa, o domínio do grande capital e do imperialismo sobre Portugal jamais teria chegado onde chegou já que, em todos os momentos cruciais, é a sua base popular e a sua áurea de «esquerda» que serve de apoio a políticas de direita tão anti-populares que a própria direita não teria condições para as aplicar. O PS não só se rendeu às políticas neoliberais dominantes como é hoje com a direcção de Sócrates um instrumento imprescindível à sua realização.
Sem dúvida que cada país tem a sua própria situação. Mas a consideração do que é e que interesses representa hoje a social-democracia na Europa, assim como o movimento sindical que lhe está associado, é de grande importância perante a extraordinária violência da ofensiva do capital.

Naturalmente que não vemos a evolução da situação no nosso país desligada da evolução na Europa e no mundo. Os retrocessos no plano económico e social como os perigos que resultam da nova situação criada em Portugal ao nível do poder político, integram-se em tendências de carácter mais geral. Elas decorrem nomeadamente da correlação de forças desfavorável criada com o desaparecimento da URSS e as derrotas do socialismo, de particularidades da crise do capitalismo na sua actual fase de desenvolvimento, da contra-ofensiva exploradora e agressiva do imperialismo e a sua deliberada opção por uma resposta de força às agudas contradições que percorrem o mundo contemporâneo. Nesta óptica queremos focar particularmente a atenção sobre três aspectos e simultaneamente avançar, ainda que em termos genéricos, algumas sugestões para a nossa cooperação.

O primeiro - Portugal e a Europa. A revolução de Abril de 1974, que libertou Portugal do fascismo, pôs fim ao colonialismo e às guerras coloniais e empreendeu profundas transformações anti-monopolistas no interesse de todo o povo, teve lugar num clima internacional favorável, marcado por grandes vitórias das forças progressistas (como no Vietname), por importantes acordos de desarmamento, pelo avanço do processo de desanuviamento e coexistência pacífica. A realização da Conferência de Segurança e Cooperação na Europa e a Acta Final de Helsínquia marcou uma nova fase da vida do continente. A dissolução dos blocos político-militares, a abolição das armas nucleares, o desarmamento geral, simultâneo e controlado apareciam então como objectivos realizáveis.

Hoje a situação é radicalmente diferente. Sabemos porquê. Sabemos sobretudo que o desaparecimento da URSS e a dissolução do Tratado de Varsóvia, com que o imperialismo justificava a sua política e alianças agressivas, em lugar de conduzir à dissolução da NATO conduziu ao seu fortalecimento, ao seu alargamento, à adopção de uma doutrina explicitamente ofensiva e agressiva, ao envio de forças militares para o Afeganistão, à elaboração de planos de «projecção de forças» em África (grandes manobras militares anunciadas para Junho) e outras regiões do mundo. Os EUA, em lugar de retirarem as suas tropas e bases do continente, consolidam os seus mecanismos militares de hegemonia, semeiam bases a Leste, utilizam sem vergonha o espaço europeu para criminosas operações secretas da CIA de sequestro, tortura e assassínio. A cavalgada imperialista para Leste em apoio da contra-revolução e para imposições de tipo colonial, é uma terrível realidade. A OSCE está esvaziada do seu conteúdo original. A neutralidade e o não alinhamento de vários estados estão a ser alvo de um ataque brutal contra a vontade dos respectivos povos. A União Europeia militariza-se. A Alemanha afirma-se cada vez mais como potência militar imperialista com perigosas ambições. A guerra dos Bálcãs com o desmembramento violento da Jugoslávia conduziu à inaceitável situação de protetorados que representam uma ingerência brutal na vida dos povos da região.
Não pretendemos ser exaustivos. Outros camaradas ajudarão a compor o quadro de insegurança e de relações desiguais que se verificam na Europa, assim como nas relações com outras regiões, nomeadamente Médio Oriente e Norte de África. Mas o que se refere é já suficiente para mostrar que estamos perante uma situação grave para a qual é necessário alertar todos os povos e que, em nossa opinião, requer uma acção mais sistemática e articulada de protesto e reivindicação em torno de temas como a dissolução da NATO, o encerramento das bases militares estrangeiras no continente, a oposição à participação em acções militares de agressão contra outros povos. Nestas como noutras matérias é importante a cooperação entre os nossos partidos, assim como com outras forças de esquerda, no Parlamento Europeu e nas Assembléias Parlamentares do Conselho da Europa e da OSCE.

O segundo - Portugal 20 anos depois da adesão à CEE. Este é um tema que abordamos com algum desenvolvimento em documento aparte que vos distribuímos. Aqui apenas queremos sublinhar que se confirmaram as razões que levaram o PCP a pronunciar-se contra a entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia, as mesmas que nos levam hoje a rejeitar o actual processo de «construção europeia» e a lutar por uma Europa de progresso, paz e cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos.
Efectivamente a integração na CEE funcionou como uma grande operação de pressão e ingerência contra a revolução portuguesa, um instrumento de apoio activo ao processo de reconstituição do poder económico e político dos grandes grupos económicos que, para defesa da democracia e do desenvolvimento económico geral, a revolução liquidara.
Simultaneamente, a ofensiva conjugada da reacção e da social-democracia, no plano interno, e das políticas e mecanismos comunitários, no plano externo, impediu um desenvolvimento independente em correspondência com o baixo nível das forças produtivas e os reais interesses do povo e do país, provocou a destruição do tecido produtivo (nomeadamente agricultura , pescas e indústrias básicas como a siderurgia), induziu um modelo de crescimento assente na mão de obra barata e de baixa qualificação, entregou ao grande capital e ao estrangeiro as alavancas fundamentais da economia. A subordinação à «Estratégia de Lisboa» e ao «Pacto de Estabilidade e Crescimento», com as imposições que comportam em matéria de liberalização ou de déficit orçamental, têm conseqüências particularmente nefastas para o país. Simultaneamente a configuração da U.E. como bloco económico-político-militar imperialista e as políticas de submissão praticadas por sucessivos governos estão a golpear duramente a independência de Portugal.

Naturalmente que não dizemos que «tudo» é negativo com a integração, nem preconizamos para Portugal um impossível e ruinoso isolamento autarcico. O que não aceitamos são relações de dependência e de domínio em relação ao grande capital e às grandes potências da U.E. que comprometem a soberania nacional e com ela a própria democracia política, relações que estão aliás a ser impostas de modo ainda mais gravoso aos novos aderentes do Leste da Europa.
A actual «construção europeia» não é uma fatalidade. A resistência e a luta dos trabalhadores e dos povos pode impor uma outra dinâmica de cooperação mutuamente vantajosa. O «Não» em França e na Holanda à chamada «constituição europeia», derrotando no imediato um perigosíssimo projecto do grande capital, abre espaço à luta por uma outra Europa de progresso, paz e cooperação. Pela nossa parte não vemos que isso seja possível sem grandes lutas de massas, sem grandes convulsões sociais e políticas, sem profundas alterações progressistas no plano de uma série de países. Seja como for é muito importante que, apesar de diferenças substanciais existentes entre nós quanto a questões de natureza institucional, estreitemos a nossa cooperação para enterrar definitivamente a dita «constituição» e articular uma ampla campanha de esclarecimento visando derrotar as manobras em curso para retomar o projecto e impor uma farsa de ractificação. O trabalho sujo que parece estar a ser reservado para a Presidência Portuguesa da UE na segunda metade do próximo ano, após as eleições de Maio/ Junho em França, tem de ser desde já desmascarado.
Simultaneamente é importante prosseguir a ação comum ou convergente contra as mais gravosas expressões das políticas neoliberais dominantes como o desemprego em massa, o trabalho mal pago e sem direitos, o aumento do horário de trabalho, o aumento da idade de reforma, o ataque a direitos sindicais e laborais e muitos outros aspectos. A defesa de conquistas históricas como o são os serviços públicos – saúde, educação, segurança social – revela-se particularmente importante e mobilizadora e a luta contra a directiva Bolkenstein deve continuar.

O terceiro - o agravamento da situação internacional. Este nosso Encontro tem lugar num contexto internacional muito perigoso que, a propósito da chamada «crise dos cartoons», a Declaração da Comissão Política de 21 de Fevereiro descreve nos seus traços fundamentais. Não vamos repeti-los. Aqui apenas desejamos chamar a atenção para os aspectos seguintes.
Em primeiro lugar, para a escalada de agressão imperialista no Médio Oriente e Ásia Central e a necessidade de intensificar a luta pela retirada das tropas de ocupação do Iraque e do Afeganistão, de impedir a agressão à Síria e ao Irão planeada pelos EUA com a colaboração da UE, de apoiar ainda mais o povo palestiniano na luta pelos seus direitos nacionais exigindo a retirada de Israel dos territórios ocupados e o fim da sua política de terrorismo de Estado e enviando delegações à Palestina em sinal de solidariedade com as forças progressistas da OLP.
Em segundo lugar, para os crescentes ataques a direitos, liberdades e garantias que percorre a Europa com inaceitáveis derivas de tipo «securitário» e a criminosa actuação da CIA, a par de frequentes manifestações de racismo e xenofobia, de banalização e branqueamento do fascismo, de revisionismo histórico, de anticomunismo. Neste contexto o significado da «resolução anticomunista» do Conselho da Europa, apesar da derrota dos objectivos mais reaccionários e revanchistas dos seus promotores, não deve ser subestimada. A luta em defesa da democracia adquire crescente importância e a perseguição e ilegalização dos partidos comunistas e as tentativas de criminalização da sua ideologia devem ser firmemente combatidas e objecto de iniciativas comuns o mais alargadas possível. A solidariedade para com a Organização da Juventude Comunista Checa e para com o Partido Comunista da Bohémia e Moravia é da maior importância no momento actual.
Por fim, para o carácter contraditório da situação internacional, situação em que a violenta ofensiva do imperialismo visando impor ao mundo uma nova ordem totalitária hegemonizada pelos EUA, coexiste com uma forte resistência dos trabalhadores e dos povos e grandes potencialidades de desenvolvimentos progressistas e revolucionários. Os avanços das forças progressistas na América Latina (com Cuba e Venezuela na primeira linha de combate) ou importantes processos de arrumação de forças no plano internacional em que é crescente o peso da China devem ser particularmente valorizados. Há fortes motivos para confiar na possibilidade de, pela luta em cada país conjugada com o fortalecimento da acção comum no plano europeu e mundial, resistir e inverter o perigoso rumo actual do desenvolvimento mundial e avançar pelo caminho da paz, do progresso social e do socialismo.
Tudo isto torna imperioso o reforço da nossa cooperação. Acima de reais diferencias de percurso, de posição ideológica, de projecto, de avaliação da história e em particular da história do movimento operário e nacional-libertador, temos de colocar aquilo que nos aproxima e une. Perante a gravidade da situação actual seria dramático se o não conseguíssemos.
Desejamos sinceramente que este nosso Encontro seja um contributo na boa direcção.


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